Manifesto pela Memória Nacional


 Reunião extraordinária da Rede Memorial de Pernambuco

Recife, 4 de setembro de 2018

Nós abaixo assinados, atendendo ao chamado da Rede Memorial de Pernambuco nos reunimos em assembleia pública realizada na Biblioteca Central da Universidade Federal de Pernambuco, aos 4 de setembro de 2018, para debater sobre o sinistro que se abateu sobre o Museu Nacional no Rio de Janeiro no domingo 2 de setembro do corrente ano, e para analisar impacto, a dimensão e o alcance dos efeitos deste ocorrido sobre o Sistema Nacional do Patrimônio Cultural.
Importa registrar que o incêndio consumiu dados, fontes e espécimes paleontológicos, arqueológicos, etnográficos, entomológicos, biológicos e linguísticos entre outras tipologias de registros, de valor científico, histórico e cultural imensuráveis, cujos conteúdos únicos’ não podem ser recuperados.
O incêndio que consumiu o Museu Nacional transcende sua própria dimensão histórica pondo à mostra um fenômeno social de largo alcance materializado no progressivo desvestimento por parte do poder público brasileiro frente às suas responsabilidades e atribuições constitucionais expressas no Artigo 216 da Constituição Federal. Segundo este assento constitucional o patrimônio cultural deve ser compreendido como os bens “de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. O parágrafo primeiro do referido artigo determina que cabe ao poder público, com a colaboração da comunidade, a proteção do patrimônio cultural brasileiro, por meio de “inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. Enquanto o parágrafo quarto do mesmo artigo da Constituição sublinha que “os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
O alcance social deste fenômeno não se restringe ao Museu Nacional mas atinge a grande parte das instituições de missão memorial brasileiras, que padecem da ausência de investimentos públicos fundamentais para irrigar atividades de manutenção e de preservação do patrimônio custodiado, em especial recursos humanos qualificados, infraestrutura e equipamentos adequados.
Fica evidente neste triste episódio de impacto e repercussão mundial a ausência quase absoluta de políticas públicas de Estado, suficientemente sustentáveis, abrangentes e capazes de fazer cumprir o que determina a Lei Magna brasileira no tocante aos bens de natureza cultural, identidade e memória. Políticas públicas que garantam, para além de investimentos, a observância de transparência, equidade e responsabilidade na administração dos recursos. Pressupostos necessários para evitar a assimetria na aplicação do orçamento públicos entre as instituições participantes do Sistema Nacional do Patrimônio Cultural.
A tragédia por muitos anunciada e que na noite do último domingo se consumou, reduzindo a cinzas o Museu Nacional, não pode cair no esquecimento. Diante do ocorrido, faz-se necessária a tomada de posição firme, crítica e veemente. Para tanto foi que nos reunimos nesta assembleia em protesto no sentido de alertar, denunciar e cobrar medidas urgentes no tratamento dos problemas que o país enfrenta em relação ao seu patrimônio cultural, histórico e científico.
É mais que oportuno cobrar das autoridades constituídas a investigação rigorosa das causas dessa tragédia para que não se repita com outras instituições que estão hoje igualmente ameaçadas.
Diante do exposto, nós abaixo assinados,
CONSIDERANDO:
·         A ausência de políticas públicas (de Estado) sustentáveis que atendam sistematicamente as organizações de memória;
·         A ausência de planejamento para atender, organizadamente, as demandas das instituições de memória e a alocação de recursos públicos suficientes para fazer cumprir o que determina do artigo 216 da Constituição Federal;
·         A evidente dificuldade, por parte das instituições públicas de memória, de acessar recursos públicos tais como o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e ou Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura PE) e seus congêneres nos demais Estados e Municípios da União;
·         A ausência de instrumentos de identificação, avaliação e mitigação do risco nas Instituições de Memória;
·         A ausência de comissões fiscalizadoras com poder delegado pelo Estado para avaliar, acompanhar e cobrar das Instituições de Memória e dos seus competentes mantenedores a introdução de planos de gestão, de avaliação de risco e de contingência;
·         A inexistência de mecanismo de financiamento para o aproveitamento de recursos humanos qualificados, incluindo estagiários dos cursos de competência funcional do interesse das instituições de memória;
PROPOMOS:
·         A instalação de um processo de debate e consulta pública para o desenvolvimento de políticas públicas sustentáveis e legitimadas pelos diversos segmentos da população, municiadas de garantias de sustentabilidade por parte do Estado, que possam atender de modo sistemático e isonômico as demandas políticas das organizações de memória;
·         O desenvolvimento de planejamento para atender, organizadamente, as demandas das instituições de memória e a alocação de recursos públicos suficientes para fazer cumprir o que determina do artigo 216 da Constituição Federal e pelo Sistema Nacional do Patrimônio Cultural, dirigida aos estados e municípios em três dimensões, a saber: coordenação (definição de instância(s) coordenadora(s) para garantir ações articuladas e mais efetivas); regulação (conceituações comuns, princípios e regras gerais de ação); fomento (incentivos direcionados principalmente para o fortalecimento institucional, estruturação de sistema de informação de âmbito nacional, fortalecer ações coordenadas em projetos específicos).;
·         A instalação de um largo processo de discussão, que deve resultar em marco legal, envolvendo as Instituições de Memória para debater mecanismos de fomento autônomo, articulado, transparente para viabilizar canais diretos de acesso recursos públicos tais como o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e ou Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura PE) e seus congêneres nos demais Estados e Municípios da União;
·         A criação de instrumentos de Defesa Civil aplicados ao campo das instituições custodiadoras de patrimônio da memória com vistas à proteção civil do patrimônio memorial, aqui entendida como aquele processo contínuo pelo qual todos os indivíduos, grupos e comunidades  atuam em conjunto com o Estado, conforme determina o Artigo 216, parágrafo primeiro da constituição, em um esforço conjugado, dirigido a evitar ou de amenizar o impacto resultante da concretização daqueles perigos, e especialmente, atuante na identificação, avaliação e mitigação dos riscos nas Instituições de Memória;
·         A criação de comissões fiscalizadoras com poder delegado pelo Estado para avaliar, acompanhar e cobrar das Instituições de Memória e dos seus competentes mantenedores a introdução de planos de gestão, de avaliação de risco e de contingência;
·         A criação de mecanismo de financiamento para contratação de recursos humanos qualificados, incluindo o aproveitamento de estagiários dos cursos de competência funcional do interesse das instituições de memória;
Nós membros da Rede Memorial, e os demais presentes à reunião da Universidade Federal de Pernambuco, para que se cumpram os efeitos esperados, assinamos o presente documento.



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